terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O MAR


O som da estrada lhe soou como o mar, o breu dos olhos fechados, a cabeça pousada no recosto do banco e um leve e contínuo zumbido da rodovia. A cada veículo que passava, o vento suave de seus trajetos lhe soava como ondas, por vezes passavam tempestivamente, por vezes soavam como a brisa que há pouco havia sentido. No céu, gaivotas como as que admirou na costa, nos carros os mesmos seres estranhos que transitavam pela areia. Nele, um grão, um fiapo de mutação. O som das águas ainda estava nele contido, o sol era o mesmo que brilhava todo dia nas mais diversas partes do mundo e que experiente lhe dava bom dia, reluzindo com raios de mais um dia madurado.

UM ANO DEPOIS

Há uma ano atrás faleciam dois de meus ídolos do cinema, Eduardo Coutinho e Philip Seymour Hoffman, ambos em situações extremas e bizarras da vida, uma fase conturbada.


Hoffman aos 46 deixou um vasto leque de atuações brilhantes, dentre elas "Capote" com a qual recebeu a estatueta do Oscar. Mas o filme que indico aqui é um dos meus favoritos da vida e que é quase desconhecido do público, o simples e belo "Vejo você no próximo verão", sua única direção, infelizmente.



O filme mostra paralelamente a construção de um relacionamento e a derrocada de outro. De uma maneira passiva e delicada, o personagem principal, interpretado por ele, desafia-se em territórios novos da vida afim de proporcionar os sonhos da possível futura parceira. Numa história de superação, ele enfrenta seu medo de água, aprendendo a nadar somente para poder levá-la em um passeio de barco no verão seguinte. Nestes tempos de relacionamentos pouco profundos, baseados no desespero de vivências momentâneas e rasas, ele nos mostra um personagem que da sua maneira, e na sua velocidade enfrenta seus medos e muda o destino não só dele.

Já Coutinho aos 80 nos deixou muitas obras primas do documentário, como o histórico "Cabra Marcado para morrer". Mas o que indico aqui é "Jogo de Cena", um filme genial que nos deixa maravilhados e confusos ao mesmo tempo.


No filme ele exibe mulheres relatando histórias pessoais de suas vidas, em seguida atrizes famosas relatando as mesmas histórias como se elas as tivessem vivido, e num terceiro momento atrizes desconhecidas do público relatando as mesmas histórias. Num moscaico destes relatos, nos vemos diante de diversas mulheres contando as mesmas histórias, o que nos leva a questionar quem viveu aquilo ou não. A narrativa nos deixa confusos e instigados, mesclando verdade e interpretação, uma bela reflexão no mundo de máscaras que vivemos atualmente.

NÚ COM A MÃO NO BOLSO

É como me sinto, após um período de intenso contato com sensações das quais sempre fugimos. Tive um blog chamado "NUDE" (agora em reformulação), do qual usei para vomitar algumas histórias em pequenos contos. A idéia era desenvolver minitramas limitadas em apenas três parágrafos, abordando personagens intensos, porém passivos e reativos, que teriam suas realidades modificadas por enxurradas de eventos externos.


Os textos eram acompanhados de colagens, nas quais tentei aplicar a técnica de "one point", centralizando os personagens e construindo lúdicamente um universo ao seu redor. Num grito de cores ou na falta delas, tentavam expressar mundos de ilusão, em que seres raros explodiam sentimentos nús perante uma sociedade cruel e pausterizada.



NUDE foi um vômito, a obersavação de um mundo cruel que massacra personagens incompreendidos, mas que os leva a uma evolução obrigatória através da dor da adaptação, entrando em contato com suas sombras, para em seguida modificarem a realidade.



Seja um gênio da matemática que mesmo concebido a partir da dor do apego vem a mudar a história da humanidade, de uma mulher que nasce em corpo de homem e tem sua vida assassinada para renascer num novo ser e ocupar seu real espaço no mundo ou uma tribo de libertários que é devastada pela incompreensão humana das diferenças, mas acaba se espalhando e descentralizando suas propostas de evolução.



Este foi um projeto de exposição de visceras, um vômito de histórias de inseguranças, inadequações, utopias, raivas, sons e furia, praticados da maneira mais básica do mundo, nús! A nudez é um ato que geralmente se pratica as escondidas, mas sabe como é né, abaixo os pudores, avante sociedade nudista!



Foi um período criativamente bacana, mas após esta longa viagem por estes universos, sinto saudades de casa e retorno ao meu velho excêntrico paraíso, MINHA XANADU!