segunda-feira, 25 de maio de 2015

teletransporte

Arte para caderno de "Teletransportes" ("Historietas Libertas" - Maio-2015).


quarta-feira, 13 de maio de 2015

o homem líquido

   Rafael caminhava pelo vale enquanto o guru lhe explicava:
   _ Este lugar representa o paraíso, aqui tudo flui naturalmente e para que isso aconteça é preciso desapegar-se, compreender que tudo e todos partirão um dia,  é a condição da existência.
   _ A prática me é complicada, tenho saudades frequentes.
   _ Neste caso não há o que fazer se não senti-lo.
   _ Mas você disse que é preciso desapegar-se.
   _ Forçar desapego é apegar-se também. Se sentes que não controlas é porque talvez o tenha que sentir, não exista escolha.
   _ É como se fosse algo acumulado há tempos.
  _ Tudo é acumulo de tempo, desde o grão de areia até a praia inteira, assim como tudo que nela habita. O mar apesar de modificar-se a cada onda, segue jorrando sempre na mesma direção, é um acumulo que lhe força esta explosão, não contém-se em si.
   Rafael e o guru seguiam caminhando pelo vale e iam se transportando de um ponto a outro daquela enorme montanha, como se pudessem estar em diversos lugares com poucos movimentos corporais.
   Enquanto o guiava, o guru prosseguia:
   _ Aqui a vida acontece como o trajeto da água em um rio, sempre fluinte, não há necessidade de controle algum, tudo vem, tudo vai e só fica a modificação do encontro, a sinergia.
   Rafael observava as quedas d´água que apesar de jorrarem com força pareciam grandes tecidos brilhantes que balançavam com o vento refletindo a luz emanada do céu. Pensando no exemplo do guru, perguntou:
   _ Se a vida é como o trajeto da água, o que somos nós?l
   O guru pareceu contente com a pergunta e num piscar de olhos, os transportou para a nascente daquela cachoeira, um ponto de onde brotava um filete iluminado de água:
   _ Nós somos o próprio rio, nascemos para fluir, nossas vidas são como a água, vão jorrando aos poucos a partir da nascente e criando seu próprio caminho pela terra.
   Como num piscar de olhos já estavam em um lago formado por uma pequena queda d´água, de onde o guru prosseguiu:
   _ Quando encontramos algum obstáculo, a água vai parando e formando um lago, ali são formadas as nossas bases, até que a junção de água seja mais forte o suficiente para transpor aquele espaço e seguir jorrando até que se encontre outro obstáculo.
   _ Os obstáculos como barragens.
   _ Exato, a cada barragem transposta, é como se atravessássemos uma porta para uma dimensão diferente da vida, mas no mesmo corpo.
   O guru os transportou novamente, de repente estavam no topo de uma enorme cachoeira.
   _ Cada teste ao qual a vida nos submete, representa um obstáculo da natureza humana, para cada ser ele se refere a uma vivência em particular. A cada porta que se atravessa, desobstruímos alguma barragem que se formou em nossa existência.
   Do topo da cachoeira, Rafael sentia gotas de água espirrarem em seu pés, achou aquilo incrível, sentia como se seu corpo não tivesse nenhum peso, ali cada átomo dele estava em conexão com aquele lugar, um fazia parte do outro de maneira tão genuína, que facilmente se fundiam. Sem a ajuda do guru, se desmaterializou e rapidamente se materializou em outro lugar, como se seu corpo fosse composto por gotítculas de água que fluíam como o ar.
   Percebendo sua evolução, o guru completou:
   _ Aqui não existem barreiras, tudo é permitido porque tudo é vida. A cada desafio vencido, a cada porta que se abre, a fluinte da vida jorra e encontra seu caminho. Essa cachoeira representa a potência do ser como um todo, quando ele encontra sua fluinte e desenvolve o que se chama identidade.

terça-feira, 21 de abril de 2015

quebrando a casca

"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Nesta pessoa organizada eu me encarava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Por que é que ver é uma tal desorganização?

Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era nesse não bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

Na infância as descobertas terão sido como num laboratório onde se acha o que se achar? Mas como adulto terei a coragem infantil de me perder? Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. Não sei dar forma ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E - e se a realidade é mesmo que nada existiu?! Quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece, mas só acontece o que compreendo - que sei do resto? o resto não existiu. A vida humanizada. Eu havia humanizado demais a vida." CL.

Eu que buscava a simplicidade, finalmente a havia encontrado, mas só soube ser complicado.

segunda-feira, 16 de março de 2015

INICIANTES

Estudando um livro de roteiro, me deparei com o exercício de descobrir qual era o meu gênero e os meus filmes preferidos. De longe já sabia que o gênero era o drama, mas o ato de esqueletar uma lista com os filmes favoritos, me fez perceber que eles diziam muito mais de mim do que imaginava. Filmes são como cápsulas que contém não só os pontos de vista dos realizadores, como também os nossos, que os escolhemos como uma boa vivência, para ser revisitada sempre que desejarmos. Neles identificamos nossos sonhos, razões, equivocos, afetos/desafetos, confusões e compreensões. Vou postá-los aos poucos aqui, nesta minha auto-cápsula, onde guardo algumas de minhas experiências pelo tempo e de meus mutáveis pontos de vista.


Desta lista, revi um deles estes dias como referência e novamente fiquei tocado, talvez por ele ser um dos mais simples e singelos, e até talvez por isso, um dos meus preferidos: "Beginners". Uma história sobre alegria, tristeza, coragem, cegueira, maturidade, encontros/desencontros e sobre como todos, não importa a idade, somos iniciantes quando se trata de olhar para dentro de si.

quarta-feira, 11 de março de 2015

IMPULSOS E RETORNOS

Retornos. Há um momento na vida em que compreende-se o significado deles, e quando o fazemos, conseguimos visualizar as portas que devemos atravessar, o que não significa conseguir atravessá-las, o que ocorre é dar-se conta de si, o que não te faz mestre de seu trajeto, mas um caminhante consciente, um ser que não mais vagueia sem saber para onde.


Há cinco anos atrás tentei ler uma obra, que mesmo sem conseguir chegar ao final, mudou a minha vida: "A paixão segundo G.H" de Clarice Lispector. Na época não sabia compreender o porque desta sensação, muito menos o por que de no prefácio do livro, Clarice advertir "Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada". Na época, a obra me perturbou tanto que serviu como matéria prima para uma peça da qual me orgulho muito chamada "Outros modos de Sentir".

Apesar deste contato com o imaginário da autora, sentia que não compreendia totalmente a agonia da personagem GH. Tentei recomeçar diversas vezes o livro e sempre me senti a margem do que ela sentia, por vezes me soava pesado e chegar ao final do livro me parecia distante, pois era muita informação a ser processada. Segui insistindo, pois mesmo sem saber porque, ela mexia comigo e queria desvendá-la, mas a minha incompreensão de mim, me impedia. Assim, após algumas exaustas tentativas, o coloquei na minha estante de livros a serem lidos, uma ala de meu quarto que só aumentava.

Nos últimos meses fui tomado por uma sede incansável de respostas para tudo, e finalmente aquela ala de obras que eu não compreendia me fizeram a companhia necessária num período de comunhão comigo mesmo. Era o momento exato de conversar com ela, e hoje GH me é tão próxima, que não senti mais peso ao lê-la, ao contrário, ela me passou tanta compreensão, que me deixou mais leves as mazelas. Compreendi a diferença entre livros de bolso, que são lidos e passados de mão em mão sem nada dizerem, e de autênticas obras, que mesmo de difícil compreensão, quando tentamos desbravá-las, sentimos necessidade de modificar a nós mesmos, lutando contra nosso ego, nossa falsa sensação de auto-valor, que exacerba, cega e afasta a felicidade.

Ainda no prefácio, Clarice adiciona que devem ler somente pessoas que "saibam que a aproximação, de que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo que se vai aproximar." Em outras palavras, negar a si mesmo aquilo que o impulssiona a evoluir em detrimento de sua zona de conforto. Existem obras que surgem em nossas vidas para ficar e outras que surgem só para nos fazer caminhar, na maioria das vezes não teremos escolha, quando o mundo se colocar no meio de nossos caminhos através de erros e falta de compreensão de nosso próprio caminhar, é preciso silenciar e ouvir a si mesmo, para enxergar que aqueles impulsos o fizeram andar e sem perceber, realizar que você já chegou a outro lugar. É nesta hora, que se deve pesar, o tanto de si que está pronto para vivênciar uma obra, ou se ainda é preciso matar mais tempo com livros de bolso.

Outros Modos de Sentir: https://vimeo.com/41981310

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O MAR


O som da estrada lhe soou como o mar, o breu dos olhos fechados, a cabeça pousada no recosto do banco e um leve e contínuo zumbido da rodovia. A cada veículo que passava, o vento suave de seus trajetos lhe soava como ondas, por vezes passavam tempestivamente, por vezes soavam como a brisa que há pouco havia sentido. No céu, gaivotas como as que admirou na costa, nos carros os mesmos seres estranhos que transitavam pela areia. Nele, um grão, um fiapo de mutação. O som das águas ainda estava nele contido, o sol era o mesmo que brilhava todo dia nas mais diversas partes do mundo e que experiente lhe dava bom dia, reluzindo com raios de mais um dia madurado.

UM ANO DEPOIS

Há uma ano atrás faleciam dois de meus ídolos do cinema, Eduardo Coutinho e Philip Seymour Hoffman, ambos em situações extremas e bizarras da vida, uma fase conturbada.


Hoffman aos 46 deixou um vasto leque de atuações brilhantes, dentre elas "Capote" com a qual recebeu a estatueta do Oscar. Mas o filme que indico aqui é um dos meus favoritos da vida e que é quase desconhecido do público, o simples e belo "Vejo você no próximo verão", sua única direção, infelizmente.



O filme mostra paralelamente a construção de um relacionamento e a derrocada de outro. De uma maneira passiva e delicada, o personagem principal, interpretado por ele, desafia-se em territórios novos da vida afim de proporcionar os sonhos da possível futura parceira. Numa história de superação, ele enfrenta seu medo de água, aprendendo a nadar somente para poder levá-la em um passeio de barco no verão seguinte. Nestes tempos de relacionamentos pouco profundos, baseados no desespero de vivências momentâneas e rasas, ele nos mostra um personagem que da sua maneira, e na sua velocidade enfrenta seus medos e muda o destino não só dele.

Já Coutinho aos 80 nos deixou muitas obras primas do documentário, como o histórico "Cabra Marcado para morrer". Mas o que indico aqui é "Jogo de Cena", um filme genial que nos deixa maravilhados e confusos ao mesmo tempo.


No filme ele exibe mulheres relatando histórias pessoais de suas vidas, em seguida atrizes famosas relatando as mesmas histórias como se elas as tivessem vivido, e num terceiro momento atrizes desconhecidas do público relatando as mesmas histórias. Num moscaico destes relatos, nos vemos diante de diversas mulheres contando as mesmas histórias, o que nos leva a questionar quem viveu aquilo ou não. A narrativa nos deixa confusos e instigados, mesclando verdade e interpretação, uma bela reflexão no mundo de máscaras que vivemos atualmente.

NÚ COM A MÃO NO BOLSO

É como me sinto, após um período de intenso contato com sensações das quais sempre fugimos. Tive um blog chamado "NUDE" (agora em reformulação), do qual usei para vomitar algumas histórias em pequenos contos. A idéia era desenvolver minitramas limitadas em apenas três parágrafos, abordando personagens intensos, porém passivos e reativos, que teriam suas realidades modificadas por enxurradas de eventos externos.


Os textos eram acompanhados de colagens, nas quais tentei aplicar a técnica de "one point", centralizando os personagens e construindo lúdicamente um universo ao seu redor. Num grito de cores ou na falta delas, tentavam expressar mundos de ilusão, em que seres raros explodiam sentimentos nús perante uma sociedade cruel e pausterizada.



NUDE foi um vômito, a obersavação de um mundo cruel que massacra personagens incompreendidos, mas que os leva a uma evolução obrigatória através da dor da adaptação, entrando em contato com suas sombras, para em seguida modificarem a realidade.



Seja um gênio da matemática que mesmo concebido a partir da dor do apego vem a mudar a história da humanidade, de uma mulher que nasce em corpo de homem e tem sua vida assassinada para renascer num novo ser e ocupar seu real espaço no mundo ou uma tribo de libertários que é devastada pela incompreensão humana das diferenças, mas acaba se espalhando e descentralizando suas propostas de evolução.



Este foi um projeto de exposição de visceras, um vômito de histórias de inseguranças, inadequações, utopias, raivas, sons e furia, praticados da maneira mais básica do mundo, nús! A nudez é um ato que geralmente se pratica as escondidas, mas sabe como é né, abaixo os pudores, avante sociedade nudista!



Foi um período criativamente bacana, mas após esta longa viagem por estes universos, sinto saudades de casa e retorno ao meu velho excêntrico paraíso, MINHA XANADU!